19/12/2008

inferno

como é que se faz quando tudo vai embora, perde, esquece e nada vem buscar?
em qual lugar desse meu corpo tolo e desconhecido eu sepultei a alegria suspeita que me rondava vermelha e voluptuosa e que agora, invisível e intocável, não encontro mais aqui. vou olhar em volta, desarrumar a casa e as roupas e investigar os cantos e a poeira que se formou desde que inventei sentir este inferno que é querer demais e que, ao primeiro encanto, me confundiu e me convidou a mais pura e plena felicidade insinuada. mentira. invenção. eu esperei, é certo, desejei e fiz planos para o nada vazio e secreto aqui, bem aqui, posso mostrar onde. mas o vulcão desejado e imprevisto me dá e me tira e depois me dá e depois me escapa e foge e não diz se volta para deitar em minha cama, rasgar tudo de novo o que em mim já se abriu e não tem volta. não, não saia de mim, inferno cobiçado e adquirido, mas me povõe também por espaços maiores de tempo, cause-me enjôo, faz-me cansada e absolvida. estraga logo a minha vida, me corrompa, faça isso, já arranquei todos os cabelos do meu corpo suado e este calor só aumenta e fervilha meus odores, os piores e mais sinceros e obscenos, e este amor que de tanto insistir me extasia e me machuca e me deixa aqui plantada e oferecida para nada me trazer. oh, inferno feito em brasa e rodopios, vêm e arranca-me do exílio, me dê mais disso que te peço e te imploro de joelhos e prometo que não vou mais descansar, eu não quero descansar. não dê palpites ou conselhos, não preciso, e não perdôo se você não me alterar. é um castigo ter meu corpo tão entregue ao travesseiro e a cama agora dura me incomoda esperando tais sussurros no plural. mas sua chama me conhece a este ponto e me tortura sem desconto ou gratidão. é um disparate ter os males e os bens num só lugar.

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