21/05/2008

ondas de calor

Adiei temporariamente minha ida ao fim do mundo. Eu tinha, guardado em segredo, um estilhaço de esperança para usufruir no caso de alguma sorte. Agora sinto ondas de calor durante o dia, tenho pensamentos suspeitos e quase me sinto livre. Estou convivendo melhor com a minha incerteza, uma vez que pude compreender que ela não irá embora, a não ser quando eu for também. Passei anos esperando o dia em que eu não duvidasse mais. Bobagem. Entendi definitivamente essa minha condição e, sinceramente, já não a desprezo mais. O que está em mim provavelmente deve ser mesmo meu, e eu sei que o tempo nos faz dono de todo tipo de coisa, inclusive das menos aconchegantes. Me apropriei finalmente da minha escassez. Se não sou capaz de sentir o mesmo amor todos os dias, o sentirei então da maneira que me cabe, pela metade. Amarei durante a noite prometendo a mesma intensidade para o dia seguinte e passarei a vida desonrando minhas promessas. O que me consola é que meus instantes são reais, mesmo que acabem depois, num dia próximo. Jamais me entreguei em vão e os futuros que prometi tinham em si a minha vontade de ser próspera. Tenho boas intenções e meus ímpetos são puros, quase infantis. Não é leviandade, é apenas uma deficiência pública: sou uma oferta efêmera e valho os lamentos de depois.

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