21/05/2008

frio

Ouço o barulho agudo do vento na noite que insiste depois da janela.
Tento me proteger da escuridão. Assusto-me à toa, tenho espasmos e esbarro nos móveis da sala. Tapo meus ouvidos e aperto os olhos, evitando não sei bem o quê. Não tenho ainda muita intimidade com meu medo, fomos apresentados rapidamente certa vez. Depois disso começou a me mandar recados indecentes ― breves bilhetes escritos em papel de pão e guardanapos toscos de mesa de bar, que coloca cuidadosamente debaixo da minha porta.
O vento faz a janela tremer, a tensão dos meus ombros aumenta a cada batida na janela. É o medo imbecil querendo entrar.
Durante o dia não recebo visitas nem mensagens. Ele ronda minha casa durante a madrugada, deve ter se informado sobre minha insônia. Certamente escolheu a noite de propósito, sentimento sinistro que é. Esse inverno que não termina nunca, já é novembro e o termômetro marca onze graus, o que não faz muito sentido num país tropical. Sem dúvida nos dias quentes é tudo mais tranqüilo, meu corpo esquenta e se torna abrigo de coragem. Se pudéssemos ter uma conversa honesta, esclarecer dúvidas e estabelecer limites talvez ficasse mais fácil abrir a janela e andar pela casa. Houve momentos em que me distraí, como numa noite em que dançava na sala e o único barulho era o da música que embalava meu corpo pra lá e pra cá, meus ombros estavam leves e meus braços realizavam gestos grandes. A música foi ficando mais rápida e comecei rodopiar freneticamente, no meio do quarto ou quinto rodopio meu vestido começou a voar, era o vento forte entrando pela janela semi-aberta. Nunca mais dancei, nem dei festas de arromba.
Às vezes me tranco no banheiro e fico lá dentro por horas, contando os azulejos e lavando as mãos na pia, depois saio e espero o dia nascer na janela da sala.

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