Logo pela manhã dava pra perceber que o dia seria cinza. A tristeza espontânea de um dia cinza me despertou certos desejos. Fiz planos de caminhar durante a tarde. Quem sabe a chuva rala não molhasse levemente meus cabelos e transformasse meu dia.
Saí sem compromisso. A chuva caia fina, como eu havia desejado. A rua estava molhada e as pessoas passavam correndo, cumprindo seu destino. Meus pensamentos combinavam com o clima instável e eu estava contente. O dia havia nascido para mim. Meus passos iam um por um, num movimento desinteressado, sem rumo. Lembrei da minha infância, os banhos de chuva, a roupa encharcada. Uma entrega tola num impulso de liberdade. Foi assim que me aventurei hoje nesse dia cinza. Foi pra me sentir solta no mundo que desejei me molhar na chuva. É tão pouco e é tanto.
Cruzei ruas, dobrei esquinas. Percebi que a eternidade está nas coisas que não mudam. A chuva, o vento e os dias cinzas sempre existiram.
Parei para tomar um café. Sentei e tomei um café no meio da tarde escura. Tarde de primavera. Observei a pressa dos passos alheios. Nos olhos impacientes da funcionária do café, pude ver que ansiava pelo fim do expediente. Na mesa ao lado da minha estava sentada uma mulher, trinta e cinco anos no máximo. Ela falava ao telefone e, inevitavelmente, ouvi a conversa, estava irritada, reclamava da chuva que nesse momento aumentava cada vez mais. Ali fiquei, aguardando a chuva forte passar. Tomei mais um café e comi um brigadeiro. Há muito tempo eu não comia um brigadeiro.
A chuva diminuiu. Paguei a conta e voltei ao meu passeio. Entrei na próxima rua. Notei que nunca havia passado por ali. Lembrei de um filme que vi uma vez, tinha uma rua parecida com essa, e também chovia. Começou a anoitecer, já não era cinza o meu dia. As luzes da cidade começavam se ascender e só me restava pegar o caminho de volta para casa. Mas também ia ser agradável caminhar pela noite. Estava longe de casa, ainda teria um bom caminho pela frente. O vento lambia meu cabelo. Comecei a sentir frio. Andei bem rapidinho e logo cheguei em casa. Banho quente e demorado. A chuva continuava lá fora, mas na televisão dizia que durante a noite tudo ia mudar. O dia seguinte não seria cinza e não teríamos chuva, no máximo uma pancadazinha.
Já deitada pra dormir, fiquei pensando em meu dia. Teria uma noite tranqüila.
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