09/11/2008

o dia em que não fui mais embora



houve um dia em que decidi acabar, terminar para sempre. eu já não precisava de mim para me acompanhar, as coisas continuariam, o mundo não se acabaria e o pequeno pedaço que sou não atrapalharia a ordem das coisas. saí no meio da noite, a escuridão me esconderia melhor, o que me pouparia de calcular o meu medo. mas era um medo sem nome, sem cheiro e sem pernas para correr atrás de mim. mas existia. e sua presença todos os dias em minha vida incentivou-me a deixar de ser e existir. eu já me sentia cansada em ser uma pessoa com medo, eu já nem era uma pessoa, não sentia ser. minha carne resistia, não queria abandonar tão belo mundo interrompendo seus desejos. mas os pensamentos se atrapalhavam trêmulos pelo medo sem nome. parti. levando comigo meu corpo triste que queria ficar. no terceiro dia de nosso caminho o meu corpo adoeceu e caiu de cama numa estrada barata e medrosa, tornando inviável qualquer passo que minha cabeça quisesse dar.
se for para voltar eu posso ter forças, mas, se continuarmos, morreremos, disse meu corpo para minha cabeça. se você tem medo eu tenho outras coisas, disse ele, e se você desistir e voltar eu posso fazer você feliz e você vai poder balançar seus cabelos e nenhum susto vai te incomodar além dos que vou te oferecer.
minha cabeça cansada e com medo não compreendia as promessas do corpo e o pediu que explicasse melhor.
você, disse o corpo, você é a minha cabeça e não é possível que nada tenha chegado até aí além de seu medo sem nome nem calor, aqui em minha garganta estão as palavras que eu preciso voltar pra buscar e dizer e ficar sem ter que partir. tenho em mim um odor espalhado, um inferno de coisas para experimentar e poder viver pelas noites e noites e nunca enjoar. se você, pobre cabeça, não puder entender, é porque não és minha assim como não posso te pertencer. em meu pés juntam-se coisas, acumulam-se prazeres e dores que você nunca sentiu. você recusou meus alívios e gritos e meu querer mais. eu quero mais, e se você não quiser nós morreremos os dois e eu nunca te perdoarei. não me deixe doente e pense outra vez. quero viver este inferno do amor que transborda em meu corpo e arrepia os meu seios e pelos sutis. se você concordar você vai me entender, pois sabemos que você é quem manda. saiba, cabeça minha, que tudo o que vi e senti foi pouco demais pra nós dois. vamos voltar, eu te empresto minhas pernas, pinto meu rosto que é nosso e depois podemos dançar. vou te enviar pelas veias mensagens históricas que tenho gravadas aqui, em meu solo tão fértil e barrento estão enterrados amores de ontem que escondi pra te dar. vai ser tudo nosso. tenho um milhão de saudades e posso dividí-las com você para que adormeça pensando nelas, e quando isso acontecer, quando você aprender a comer minhas lembranças, você entenderá e também vai querer mais para poder viver lembrando. porque eu, sozinho, cabeça querida, não tenho passado nenhum para buscar. eu preciso de você pra alimentar minhas cobiças, prolongar minha esperança em ter dentro de mim o que precinto e sei de cor. vamos comigo, roçar nossos cabelos em meu pequeno passado e depois ficar lembrando e se molhando enquanto lembra.
e a cabeça sem ternura anterior aceitou dar meia volta, em silêncio e sem medo não quis mais ir embora.

3 comentários:

Anônimo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Fideo Astro disse...

Fantástico!

aphabala@bol.com.br disse...

Do Caralho!!
Vc é muito talentosa...bjs doida linda,saudades das sua longas risadas...
Si.