03/04/2009

o papel branco ou nenhuma razão para isso

não existia um assunto urgente e também não era um assunto só. eram segredos disformes ao pequeno olhar. arrependimentos e verdades verdadeiras. recados a quem interessassem saltavam do papel sem cor sem pedir perdão. não era ali lugar para coisas tais e não pretendia mesmo se desculpar. confusões, muitas, mas tudo verdade, no seu próprio tempo e terror e amor e raiva e amor de novo. era uma carta de fundo de papel branco e fosco. e era público. toda espécie de coisa passada tinha virado palavra, em uma língua qualquer, sabedoria barata para tentar dizer, ao menos dizer. só para não ficar pululando por aí, de cabeça em cabeça, era melhor então ecrever tudo. se arrepender é agoniante demais e as coisas vivas e possíveis estão aí, tem cor e cheiro e dão saudade e sofrem de algum mal.
tudo começava bem lá atrás, com letras miúdas e lentas, perto da desistência. depois foi em frente e as letras se agigantaram e se enfeitaram para ninguém. se podia contar tudo, fosse como fosse, ia acabar falando a mais, corrompendo o papel branco com tamanha irresponsabilidade. falar a verdade, só se for assim, pensou. só se for assim. e acabou contando tudo.
vieram os grandes fatos, não aqueles que acontecem num dia ou numa noite, mas aqueles que se somam e viram um, se apoderam de contar o que tem dentro. para esses não existem invenções, a cabeça insiste, vai e volta sem sossego e não permite a ausência de um encontro.
de madrugada, lembrava e acumulava frases para o dia seguinte, o papel branco ia ficando menos branco e menos novo. o tempo se encarregava das imperfeições, é sua promessa, sempre foi.
não existia mais vida útil fora dali, nada mesmo interessava e toda conversa se tornava descabida. não havia tempo, a não ser aquele usado para contar em palavras. tinha mesmo decidido parar de esconder e, junto com isso, precisava também lembrar, e como era difícil lembrar. sempre havia tentado escapar e fugir, tanto que em certo momento pode perceber a falta de clareza que havia em comentar vida e passado próprios. tinha feito de propósito. tanta coisa mal feita e perdida tinham feito crescer uma culpa inventada e pesada. mas agora havia descoberto que podia dizer se não precisasse ser abrindo a boca, e aquele papel branco era a solução confortável. precisava de uma solução e havia diposição para isso. e assim foi, sem regras – e não sem se perder – que tudo foi existindo de novo, podia agora olhar sua própria vida e história de forma que tomasse conhecimento dos motivos insinuados. nunca teria certeza, isso sabia e por isso continuava, imaginar era mesmo uma aventura muito melhor.
depois o tempo parou de passar. as palavras continuavam pulando e a falta de sono permitia que culpa, medo, passado e razões perdidas se tornassem inimigos menos incovenientes. é melhor não nomear sentimentos que vão sem ir, é melhor a amplidão de possibilidades, um susto diferente a cada pedaço caído de lembrança. pode-se dizer que o melhor mesmo seria não pensar mais, mas parece que a vida é algo que se sente só depois e, sendo assim, é melhor guardar.

2 comentários:

Anônimo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
ivana debértolis disse...

que orgulho da minha amiga!