25/07/2010

fábula para entender o amor

era um coelho rosa e cego que queria deixar de ser um coelho cego. não havia sido assim desde sempre, no começo de sua ainda curta vida podia assistir a tudo, sem limitações. não sabia precisar em que momento havia parado de enxergar, só lembrava que um certo dia, ao tentar abrir os olhos pela manhã, estes se recusaram a abrir e assim se mantinham até então. sua vida se tornara uma penúria sem fim, sem razão e sem prazer. numa noite escura e barulhenta, pôde ouvir em seus ouvidos bem abertos, um coxixo que dizia existir, sim, uma solução para seu problema com o escuro. como, pensava ele, como? o coxixo coxixou somente isso e foi embora, sem deixar nenhuma pista, deixando o coelho ainda mais desassossegado do que sempre fora. passou a dedicar seu tempo a tatear a solução prometida em segredo. até que sonhou um sonho digno de espanto. no sonho existia uma mão sem o resto do corpo, uma mão viva, e nela estava escrito em letras pequenas de cor preta a palavra Amor. a mão fazia movimentos de dança bem próximos ao seu rosto, deixando o coelho um pouco tonto. quando acordou, entendeu que aquela era a mão do coxixo, ligou as duas coisas a partir de cálculos matemáticos compreensíveis apenas ao mundo dos coelhos rosas. era uma espécie inteligente. passou a dedicar seus dias e noites e madrugadas em claro, a tentar decifrar o recado do sonho. quando estava prestes a enlouquecer, lembrou-se de seu passado recente, e lembrou-se que durante todo o tempo em que ainda enxergava, era um coelho mau-caráter, sem escrúpulos e muito enganador. contava muitas mentiras, fazia promessas que jamais cumpria e tornava a vida alheia um verdadeiro fracasso. era um animal odioso. nunca havia observado seu próprio passado desta forma honesta e difícil, pontuando seus erros e maldades. era realmente a primeira vez que, não sem muita vergonha, enxergava sua própria existência de maneira tão tenebrosa. até então, jamais havia questionado seus rasos poderes. começava a compreender que havia algum elo entre seu passado, sua cegueira e o coxixo da mão do sonho. mas não conseguia de forma alguma ordenar suas desconfianças. sua falta de entendimento, somada ao desespero já existente, provocou nele uma auto piedade sem precedentes, pela primeira vez sentia pena de alguém, que no caso, era ele mesmo. dormiu um pouco e acordou com o mesmo sentimento incômodo da noite anterior, pôde perceber de forma objetiva que essa dor de ser não o abandonaria facilmente. seus dias passaram a ser ainda mais tristes, porque agora ele sentia, e sentir o fazia existir mais que antes. o sentimento cresceu e passou a exigir cuidados e atenção de sua parte, e ele, que nunca tivera preocupações reais com o outro, sentiu-se obrigado a organizar a situação. dormia o mais que podia na esperança de rever a mão em sonho. a mão, pensava, é a minha solução. numa noite exaustiva, pegou no sono e lá estava a mão com a palavra escrita. seu coração bateu mais forte, muito mais forte que antes e nunca. o coelho pôs-se a chorar e implorar para que a mão o levasse para onde pudesse enxergar e viver feliz. seu contato com o bom havia se estabelecido no momento em que passou a querer seu próprio bem. o coelho se amava, pela primeira vez ele despejava este sentimento em algo vivo. ele, que estava apaixonado por si, pôde ver de novo que era rosa e pequeno demais pra ser sozinho.

2 comentários:

Lelle disse...

Têm dias que sou Alice, têm dias que sou coelho, têm muitos dias que sou buraco. http://hemlockdiary.blogspot.com/2009/06/if-dont-love-me.html

Leandro Correia disse...

uau ... não conhecia este lado escritora ... muito bom ... li só este do coelho por enquanto, volto pra ler mais ... beijos. Amiga fabulante ...

http://bacanalasavessas.blogspot.com/