bateu a porta e não olhou
pra trás. aos poucos tudo iria se apagar, como sempre acontecia. um ódio
pequeno sempre insistia no começo, mas depois ia embora com todo o resto. não
gostava de lembranças, não tinha em si intimidade alguma com o que passou. já
havia estado com tantas pessoas e nunca
realmente se sentira com ninguém, nem com nada. e assim iria ser sempre, por
destino ou escolha. melhor não pensar. continuou caminhando por aquela estrada
e por outras depois. cruzou pontes e cada vez se distanciava mais, sem volta,
sem memória. tudo era novo a todo momento, uma repetição infinita das mesmas
escolhas não feitas. preferia os dias de chuva e o cheiro do que ia ficando pra
trás. havia feito uma pequena lista de coisas e pessoas para se lembrar pra sempre,
eram poucas e estavam escritas em forma de círculo num papel de carta antigo e
infantil. às vezes, duvidava se esquecia ou só fingia não lembrar para que não
doesse. e nem sabia por que doía. não
sabia, não sabia mesmo. certamente seria muito trabalhoso investigar as causas,
portanto, preferia deixar como estava, e tudo seria somente no presente. quando
reconhecia certos rostos na rua, mudava de calçada, e quando tudo ficava pesado
demais, mudava de cidade, pra poder ser livre. mas não era livre. gostaria de
ser e, portanto, fazia de conta, mas não era. e além do mais, qual vida não é
uma mentira? se perguntava, esbravejando. gostava mesmo era de estranhos, brindava
e dançava de rosto colado com eles em noites finitas. depois continuava indo
embora, afastando a culpa. culpa de quê? não sabia também. e era por isso, por
essa infinidade de perguntas incômodas e sem razão aparente que preferia estar
sempre esquecendo, apagando rastros e marcas na pele. pode se dizer que
conseguia, mas não sem desassossego, não sem chorar no escuro uma vez por
semana. quem não tem passado pode ter futuro? questionava. achava que não. dessa
forma, não se sentia em lugar nenhum, e não estava mesmo em lugar algum. mas
quem está? pensava de novo. evitava longas conversas e certos caminhos, por
preguiça e medo de exigências alheias e futuras. não iria, em hipótese alguma,
dividir segredos, isto já estava decidido há muito tempo. então, simulava
razões, marcava encontros que nunca iria e oferecia, vez ou outra, um amor
calculado. só uma coisa era de verdade, seu nome, gostava tanto de seu nome que
sobre isto não conseguia inventar. entendia que, neste mundo, para que pudesse
ter qualquer coisa teria que se dar em troca e, assim sendo, preferia continuar
indo embora.
2 comentários:
Uau, estou adorando seu blog!
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