21/05/2008

o não ser

Quero estar apenas eu. Secreta como quem mente. Guardar com egoísmo pensamentos estranhos e intrometidos. Quero cobrir-me de invisível e não habitar país algum. Experimentar suave o inexistente, o não sentir nem dor nem cócegas. Um sopro do que seria um não-mundo, sem a sensatez de razões límpidas e cabíveis. Não caber é o que anseio. Ausentar-me sem saber-me ausente. Não ter que ir ou chegar ou bastar. Sou tão vasta que me canso, me doem os ombros. Por um instante quero descansar de mim, esquecer meu nome e não sentir meu corpo e suas cobiças. Mãos ociosas e desobedientes, livres da avidez de sempre, ignorantes de obstinações. Momentos absolutos de sossego, um vão, um espaço vazio no meio de minhas montanhas diárias. Um não alcançar. Abandonar de leve meus desejos, tomar fôlego e depois voltar à rotina de desejar e desejar e desejar. Ter a saliva feita de silêncio e a cabeça despreocupada como deve ser a cabeça de um pássaro. Nenhum sonho nos meus olhos fechados. Nenhum sonho. Quero saber como é não ter ânsias, me transformar num mar tranqüilo e sem perigo. Vou me afogar agora, estou indo. Entontecer-me em ventos leves e desequilibrados. Logo voltarei, com fome e sede e volúpia. Fome e sede e volúpia.

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