25/06/2011

o gigante azul

era grande, o que o permitia estar sempre em mais de um lugar ao mesmo tempo. talvez pudesse aproveitar, mas o fato é que tal característica mais o incomodava do que trazia benefícios. era abastado de sentimentos diversos e tinha grande dificuldade em fazer escolhas, uma vez que possuía todas elas dentro de si. era sempre visto como um afortunado ou um covarde, quando não era nem um nem outro. ocupava o mundo todo, conhecia os sete lados e perdia-se irreversivelmente na imensidão de possibilidades. esforçava-se como podia para satisfazer-se em meio a toda sorte de ofertas que lhe chegavam sem que houvesse pedido. ser grande era assim: de um lado dormia, de outro acordava. sonhava com o paraíso. queria ser mágico e saber mentir, porém vivia todo o tempo num presente feito de passado que nem chegava a conhecer, pois, quase sempre, chegava com algum atraso em seu próprio outro lado. perdia muito tempo tentando entender-se e encontrar uma maneira mais igual de ser. era delicado demais para lidar com questões tão urgentes e simultâneas. por ser azul algumas vezes misturava-se ao céu e passava um tempo por lá, camuflado, na busca de um descanso passageiro. sentia uma inveja triste dos seres minúsculos e aparentemente insignificantes. o que complicava era que sabia de sua própria insignificância, não se sentia útil e muito menos um herói como fazia acreditar seu tamanho terrível. é claro que pensava na morte como solução imediata, mas a realidade é que lhe faltava coragem para o fim. era um gigante sem finalidade. nada cabia nem servia, embora parecesse o contrário. tudo faltava ou era demais. quando chorava, chovia; portanto tentava controlar emoções extremas, o que, devido à situação, exigia grande esforço e ar puro. conhecia as vantagens, mas, ainda assim, se pudesse escolher, preferiria ter uma vida normal e idiota como a da maioria. mas era tarde, já haviam escolhido por ele e era tarde. era amoroso demais pro seu tamanho, não combinava, aliás, nada combinava, porque era, literalmente, feito de vários pedaços e restos e começos e histórias esquecidas ou ainda não contadas. era em si mesmo o seu mapa e sua terra, tinha inferno e céu próprios. só lhe faltava o paraíso.

Um comentário:

Leandro Correia disse...

muito lindo este texto Ivana. saudades de você.