saudade é passado. névoa
inventada e mal digerida, vento fértil de chuva. tanta alegria ou dias demais
pra lembrar tanto assim. a saudade é um pecado. segredo escondido e maldito,
ato mal feito e refeito. a cabeça zonza tentando encaixar diferente o que já se
perdeu na memória. a saudade é um deserto. secando, a garganta enforcada segura
o que já escapou: nas esquinas, cidades, instantes; pedaços suspensos de toda
matéria perdida no limbo do que não pode mais ser. a saudade é uma nuvem.
passa, revolta e refaz. foge de mim este vento, some das mãos o ódio e o calor,
machuca e destrói. a saudade não presta. uma porta entreaberta pra sempre, a
chave perdida da vida finita. o passado não é de ninguém, não há provas. um
cheiro que volta, um tom esquisito de voz de lá longe, um morto que morre de amor. a saudade é um poder. te trago, te engulo de novo, sinto um quase
daquilo e soluço: me busque outra vez. um lampejo amargo de sonho,
a lonjura das coisas sem nome e sem fim. não há rastros, ninguém esteve aqui. a
saudade é o inferno. a noite esquenta e a cabeça queima nas voltas sem volta
que o mundo já não pode mais prometer. uma curva mal feita que empurra a vida
pra trás e arranca a saliva já seca de espera. a saudade é um buraco. a moeda
enterrada pra sempre e o pedido esquecido. não morrer é o engano de tudo. o suor escorre, a febre chega e uma frase
inteira vem de volta como se estivesse ali, agora, em seu próprio ouvido aberto
e cansado. não tem hora pra voltar nem faz questão de ser discreta. um apelo
inútil do amor. vadia. a saudade é uma dor.
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