11/10/2015

Galápagos

Galápagos. Ele pretendia ir para Galápagos. Não sabia ao certo onde ficava nem o que havia por lá. Quem sabe construir uma nova vida, recomeçar, sei lá. Gostava do nome, soava bem. Queria esquecer e, talvez, fosse o lugar certo pra isso, sem nomes ou rostos pra identificar, sem a obrigação de se lembrar nem fingir gentileza. Um lugar distante de si próprio, onde as histórias fossem as dos outros, nunca as suas.Gostava de vento e, Galápagos, parecia ser nome de lugar que venta bastante, um clima fresco e agradável. Poderia morar em um barco simples, pensava. Poderia escrever um livro pra preencher o tempo e a cabeça, pra ajudar a esquecer. Esquecer exige tática, empenho e dedicação diária. Um pouco por dia jogaria um pouco de si ao mar, numa cena clichê de filme ruim, sem medo ou pesar.Quem sabe alguns poucos novos amigos, ou apenas conhecidos, pra jogar conversa fora nas noites mais quentes e dividir um peixe e algumas doses.Precisava conseguir chegar até Galápagos o quanto antes, o mais cedo possível deveria estar lá, a tempo de não desistir. A demora arranca o sentido das coisas, dos pequenos desejos aos maiores planos tudo se esvazia se o tempo passa demais. Talvez precisasse de um mapa para se inteirar de sua rota. Um novo nome também poderia vir a calhar. Gostava muito de seu nome, seria uma dor perdê-lo. Mas pensaria nisto depois, quando já estivesse lá, em Galápagos.Faria uma lista de tudo o que precisava ser esquecido, em ordem de urgência. Durante o dia se dedicaria às lembranças menos doloridas e passageiras, as mais pesadas e insuportáveis trataria durante a noite.Resolvido isto, precisava agora tratar de comprar a passagem que o levaria ao seu destino, a primeira passagem importante de sua vida. Até então, só havia feito viagens inúteis e aborrecidas para lugares onde nunca quis estar de verdade. Agora era diferente, ele partiria para Galápagos, sem chances de volta.Entendia a mudança como uma espécie de morte, uma vez que morrer é algo que não se pode evitar ou escolher. Estava pronto para dissipar para sempre histórias, pessoas, lugares, amores e tragédias.Iria fotografar Galápagos, pintar sua paisagem em telas frescas, desenhar o lugar num papel e pendurar na parede, enfiá-lo de vez em sua rotina e memória. Durante o sono, sonharia com Galápagos, como sonhamos com a casa da nossa infância.Precisava decidir a data da partida e tomar coragem para não se despedir de nada e ninguém.Não responder perguntas e permitir-se viver discretamente eram, desde já, os maiores benefícios de Galápagos. O vento, o mar, o barco onde iria morar e o peixe fresco seriam a recompensa. Queria e precisava esquecer, mas não sem reconhecer no ato certo prejuízo, portanto, merecia, sim, ser recompensado, e nada melhor que a própria natureza pra se encarregar disso.Estava deixando a barba crescer, cabelo na cabeça quase já não tinha mais, mas a barba era abundante, era só deixar seguir seu curso.Como serão os habitantes de Galápagos, pensava, que cor tem o mar de lá, pensava de novo. É claro que poderia pesquisar a respeito facilmente, mas não queria, estava muito decidido em sua escolha e tinha receio que qualquer informação o desviasse. Mas sua cabeça ia sozinha tentando adivinhar que horizonte e cheiro teriam seu futuro. Aliás, fizera isto a vida toda até ali. Tentava adivinhar uma boa surpresa todos os dias, mas isso acabou não resultando em nenhum tipo de acerto.Agora seria tudo completamente diferente. Em Galápagos, fosse como fosse, a sorte ou o azar que tivesse teriam novo cenário, não era capaz de vivenciar mais nenhum tipo de emoção nesta terra pisada de agora.Que morresse em Galápagos, que fosse feliz em Galápagos, que sofresse de dor ou ardesse de amor em Galápagos. Qualquer coisa, qualquer espécie de coisa, mas que fosse em Galápagos. 

Um comentário:

Anne disse...

Adorei Ivana! Denso. Descreve sentimentos inexplicáveis, ao menos para mim. Beijão