atrás da
cortina da sala da última casa da rua, ele esperava. paciente, esperava.
estufava o peito e, cheio de dignidade inútil, respirava pra dentro a
esperança. olhava, minuto a minuto, pela fresta da janela, a fim de espiar o
bem e o mal que o espreitava na espera. esperava como quem aguarda um amor
prometido no horóscopo de página de jornal. quem sabe, pensava, uma noite
qualquer, ele se cansasse. ansiava isto também. confiava na desistência que
todo destino promete e garante. eram dias claros, de ácido sol, eram noites
escuras e densas, eram manhãs e chuvas eternas, eram dias cruéis. atrás da
cortina pesada e encardida confiava estar seguro caso nada acontecesse. atrás
da cortina pesada e encardida confiava estar seguro caso tudo acontecesse. era
um encontro marcado com endereço exato, hora inventada e data tardia. uma ideia
antiga, que se renovava diariamente atrás da janela. às vezes, apertava-se de
arrependimento quando fazia as contas e não sobrava nada pra dividir. mas logo
voltava à ele um brilho estranho e próprio quando lembrava-se das inúmeras
razões. e firmava-se, então, novamente, preparando-se para mais uma jornada.
dormia pouco, caído no chão marcado pelo tempo dos seus sapatos. acordava
afoito, incrédulo e preocupado em ter perdido alguma coisa enquanto descansava
de esperar. era delicado. olhos doces e loucos. boca pequena, trêmula e
molhada. testa curta e nariz de antigamente. cabelos lisos como a pluma, negros
como a alta madrugada. um homem dócil, perdido em delírios próprios e belos. obcecado
pela natureza das coisas vãs.
2 comentários:
Tirando os cabelos negros, tinha certeza que escrevia falando de mim. É a segunda vez que você "me pega", a primeira vez foi há uns três anos atrás. Havia lido apenas um texto seu até hoje, e foi aquele. Hoje de novo, não por surpresa, me pego nos seus escritos novamente, por sorte falava de um homem de cabelos negros.
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